quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Da Memória à Imaginação


Por Yuri Morroni

                “Desenhe uma memória”, pedimos. “Qualquer uma”. Entretanto, não é tão simples assim. Exigir uma memória invoca uma viagem inesperada por entre todos os véus que cobrem o passado, distorcem-no, apagam-no. Pedir uma memória – qualquer uma – dificilmente trará uma memória qualquer. Procura-se pela melhor memória, aquela que nos dá orgulho relembrar e compartilhar. Porém, a rememoração é o gatilho de um projétil que sai sempre pela culatra, nos surpreendendo em alguma das esquinas dos arquivos mentais. Se viajar em lembranças emociona, viajar em conjunto cria muitas vezes um bloqueio, uma rede que faz as vezes de peneira e deixa sair apenas o que não aparenta perigo.
                Por isso pedimos apenas que desenhem, sem precisar dividir o motivo da imagem. A proposta aqui é ativar o primeiro passo da imaginação, considerando que, para imaginar, partimos do que vivemos, utilizando de elementos conhecidos para alterar começos, meios e fins. Terminados os desenhos, é momento de presenciar a memória que está sendo construída.
                Todo lugar carrega consigo a memória que fez dele o que é, seja a natureza, seja a construção civil. Rafael Pagatini viu as casas familiares de sua cidade natal serem vendidas e demolidas para edifícios de condomínio serem erguidos. As madeiras das demolições serviram de inspiração para gravar na memória das casas as suas próprias. Relacionando a lembrança com a bruma, os trabalhos de Pagatini trazem imagens veladas por linhas retas em xilogravura. O preto da tinta sobre o papel branco, em linhas paralelas, dá a ilusão de cinza. E o cinza vive entre o branco e o preto como a memória vive entre o passado e o presente. A ilusão de vermos uma cor entre outras duas é semelhante à de reviver de forma presente uma ausência de tempo e espaço: não está lá, mas nossa mente reconhece a informação.
                As brumas do artista e sua técnica em gravura abrem espaço para a velatura dos desenhos de memória através de frotagem. As texturas são apresentadas e o tato percorre os objetos atrás de reconhecimento e compatibilidade com o gosto pessoal. Pedimos que cubram suas memórias com as memórias do lugar em que estamos. As marcas são transpostas para o papel, unindo o passado particular com o presente coletivo.
                Após compararem a experiência realizada com a obra e vida de Rafael Pagatini, tomamos rumo ao imaginário. Propomos que inventem uma história a partir do que estiverem vendo: com todos os desenhos numa caixa, um a um é retirado aleatoriamente, enquanto uma pessoa de cada vez narra os acontecimentos que a imagem lhe remete. A pessoa posterior continua a fantasia da anterior, a fim de criarmos uma grande história.
                Essa história é um conjunto de memórias: a do passado, em forma de desenho; a do presente, na textura da frotagem; e a do futuro, criada a partir de distorções das experiências vividas. Considerando que todos carregam histórias, por vezes apagadas e confusas, a atenção aos detalhes em nossa volta abre oportunidades para resgatá-las, oferecendo novo olhar sobre elas. O essencial para qualquer atividade – em especial as que envolvem particularidades como a memória – é que os envolvidos se permitam a construir e desconstruir, sem a existência de certo ou errado, apenas com a possibilidade de experimentar os resultados de seus próprios atos.